Inteligência De todos os atributos especificamente humanos, o mais valorizado é a inteligência, pois é por meio dela que a pessoa compreende as situações e adapta-se ou reage a elas como lhe parecer mais adequado. Inteligência é o conjunto de aptidões em função das quais os indivíduos aprendem mais rapidamente novas informações e se revelam mais eficientes no manejo e aproveitamento adequado de conhecimentos já armazenados por meio de aprendizados anteriores. Essa definição, bastante genérica, é a adotada pela psicologia, embora algumas correntes de pensamento prefiram conceituar a inteligência de forma diferente. Este é o caso, por exemplo, do psicólogo suíço Jean Piaget, para quem a inteligência é uma qualidade que se expressa pela maneira como o indivíduo se adapta ao meio, implicando tal adaptação processos de assimilação e acomodação. Já o psicólogo inglês Charles Edward Spearman definiu a inteligência, no começo do século XX, como a capacidade de fazer deduções a partir de relações e correlações.

O psicólogo americano David Wechsler, a quem se devem duas das escalas de inteligência mais comumente usadas, definiu inteligência como a capacidade global do indivíduo para atuar de acordo com as finalidades previstas, para pensar racionalmente e atuar de maneira eficaz em relação a seu ambiente.

Níveis de abordagem. Historicamente, fixaram-se duas abordagens para o estudo da inteligência: a quantitativa, ou estatística, e a qualitativa. A primeira concentrou-se na análise das diferenças individuais e visou basicamente a medida. A segunda orientou-se no sentido de descobrir as leis gerais do comportamento inteligente. Essa última orientação, que reflete a tradição fixada mediante os estudos de lógica e epistemologia, expressa a influência das pesquisas efetuadas em nível de psicologia comparada. Com o passar do tempo, essas orientações evoluíram por caminhos próprios e independentes, do que resultaram desvantagens consideráveis. Uma delas foi o descompasso entre o elevado número de pesquisas sobre elaboração e eficiência de testes e a reduzida atenção dada aos processos psicológicos que participam da obtenção de respostas corretas. Houve tentativas de unificação dessas duas linhas de abordagem, mas a prática mais freqüente foi a análise separada dos aspectos quantitativos e qualitativos. Na pesquisa dos aspectos qualitativos, acentuaram-se as estratégias de solução de problemas e processos de formação de conceitos. No estudo dos aspectos quantitativos, o interesse centralizou-se na detecção das aptidões efetivamente envolvidas nas estratégias de solução de impasses e na questão da medida.

Abordagem quantitativa. A introdução do conceito de inteligência em psicologia remonta ao final do século XIX, com os filósofos ingleses Herbert Spencer e Francis Galton. Para ambos, a inteligência identifica-se com uma aptidão geral superposta a aptidões específicas. Spearman partiu da constatação de que existem correlações positivas entre os diversos testes, e para explicá-las admitiu a intervenção de um fator geral comum a todos, e que atuaria ao lado de fatores específicos para cada teste. Ao estudar esse fator geral, Spearman identificou-o com uma espécie de energia geral ou mental. Podia-se comparar o funcionamento psíquico com o de máquinas, cujo acionamento correria por conta de uma fonte geradora de energia, que é o fator geral. Medição da inteligência. A primeira grande tentativa de mensuração da inteligência foi feita pelo psicólogo francês Alfred Binet. Convidado a participar de uma comissão organizada pelo governo francês para estudar o problema da educabilidade dos débeis mentais, Binet elaborou um método que constava de uma série de perguntas bastante simples, que eram propostas às crianças. Os resultados obtidos de uma delas era comparado aos produzidos pelas outras da mesma faixa de idade. A técnica de Binet consistiu em partir da observação do que fazem os sujeitos mais bem dotados em relação à média dos indivíduos. Não partiu, portanto, de uma conceituação prévia do que pudesse ser a inteligência. Sua metodologia nunca se revelou adequada, mas salvou-se sua perspectiva operacional.

Binet partiu do princípio de que, em média, as crianças mais velhas têm a inteligência mais desenvolvida que as mais novas. Nessas condições, conservou em seus testes os itens nos quais os desempenhos melhoravam com a idade e rejeitou os outros. Ao compor o primeiro teste de inteligência, Binet estabeleceu o resultado médio para crianças de três, quatro, cinco anos etc. Sempre que uma criança de seis anos alcançava no teste um resultado que correspondia à média das crianças de cinco anos, era considerada retardada em seu desenvolvimento mental. Embora com idade cronológica de seis anos, apresentava idade mental de cinco anos.

Deve-se à contribuição de William Stern a formulação dos resultados não mais em termos de idade mental, mas em termos de quociente de inteligência (QI). A idéia consistiu em dividir a idade mental (IM) pela idade cronológica (IC) e multiplicar o resultado por 100, segundo a fórmula QI = (IM / IC) x 100. O método de Binet revelou-se inadequado quanto às possibilidades de aplicação ao nível do adulto. Essa dificuldade foi superada pelo psicólogo americano Edward Lee Thorndike, que partiu de dois grupos claramente identificáveis como integrados por indivíduos brilhantes e por indivíduos deficientes. A escala métrica de Binet foi publicada em 1905. Mas logo sofreu revisões, quando em 1908 foi traduzida para o inglês. Em 1916 foi feita nova revisão, graças a Lewis Madison Terman, da Universidade de Stanford. A fórmula, dita de Stanford-Binet, voltou a reestruturar-se em 1937 e 1960, e desde então ficou sendo a fórmula mais usada de avaliação da inteligência individual.

Constância do QI. De maneira geral, o QI é estável e só muda muito lentamente. No adulto é bastante constante, e apresenta poucas alterações na faixa entre os 15 e os 25 anos, ou mesmo trinta anos. Daí em diante ocorre um lento declínio. Como a inteligência não é constituída apenas por uma simples aptidão, mas de várias, registra-se em algumas delas certo incremento, mesmo após os quarenta ou cinqüenta anos. Nas crianças, a constância do QI depende de um meio adequadamente estimulante. Inteligência e criatividade. Posteriormente a pesquisa orientou-se para as relações entre inteligência e criatividade. Supõe-se que, ainda quanto positivamente correlacionadas, uma distingue-se da outra, de vez que indivíduos que apresentam altos índices de capacidade criativa nem sempre se revelam altamente dotados nos testes de inteligência. Os testes de medida para avaliação de uma ou outra apresentam grandes diferenças. Os testes de inteligência são concebidos de forma que os resultados produzidos sejam rigorosamente os programados ou previstos pelos construtores da prova. São muito rígidos e só admitem um tipo de resposta correta. Já os testes elaborados para avaliar condições de criatividade caracterizam-se pela plasticidade ou flexibilidade em relação às respostas admitidas. São, portanto, provas "abertas", que admitem mais de uma resposta correta. Diz-se por isso que enquanto a inteligência depende de processos convergentes, a criatividade subordina-se a produções divergentes. Inteligência e hereditariedade. Uma das questões clássicas no estudo da inteligência diz respeito a ser ela hereditária ou não. Os resultados das pesquisas experimentais mostraram-se inconclusivos.

Num dos experimentos mais citados, ratos machos e fêmeas mais inteligentes foram acasalados, o mesmo acontecendo com outros menos inteligentes, até a sétima geração. Comparando-se os resultados em aprendizados de labirinto, os ratos do primeiro grupo mostraram-se bastante superiores aos do segundo. Embora tal resultado pareça comprovar a hereditariedade da inteligência, nada esclarece e apenas evidencia ser a hereditariedade um fator importante mas não único. Outro fator apontado como relevante para a inteligência é o meio, a partir de uma outra experiência com ratos. Dividida uma ninhada em dois grupos, um foi submetido a ambiente limitado e restrito e outro a ambiente rico e estimulante.

Os resultados apontaram enorme vantagem para o grupo que recebeu melhor incentivo do ambiente. Entretanto, também nesse caso o resultado é unilateral, pois nada diz sobre o papel da hereditariedade, embora deixe clara a importância do meio. Os resultados mostram-se também pouco esclarecedores com sujeitos humanos. Em experimentos com gêmeos idênticos realmente se comprova a importância dos fatores genéticos. Contudo, para que os experimentos pudessem ser efetivamente esclarecedores seria necessário que os meios atuantes fossem totalmente diversos. Em suma, ambos os fatores são importantes, e por isso o psicólogo canadense Donald Olding Hebb sugere a conveniência de distinguir entre o que chama de inteligência A e inteligência B: a primeira seria essencialmente determinada por condições genéticas; a segunda, tanto por fatores hereditários quanto ambientais.

Inteligência e raça. A questão da relação entre inteligência e raça está intimamente correlacionada com a anterior. Hebb afirma não existir base científica para se acreditar que a inteligência A esteja de alguma forma correlacionada com a cor da pele, seja ela negra, amarela ou branca. Uma vez que o teste de inteligência supõe o conhecimento prévio dos materiais do teste, ou um contato anterior com eles, fica evidente que o QI não pode servir de base para a comparação da inteligência A de pessoas de culturas diferentes. Todas as comparações somente poderão ocorrer em relação à inteligência B, que se for baixa, não expressará obrigatoriamente uma inteligência A baixa, pois dependerá substancialmente das condições do meio, isto é, das oportunidades oferecidas pelo ambiente em função do qual se desenvolve o indivíduo.

Fases de desenvolvimento. Para Piaget, pesquisador que mais contribuiu para o estudo do desenvolvimento da inteligência, a criança está sempre criando e recriando seu próprio modelo de realidade e desenvolve-se mentalmente ao integrar conceitos mais simples em conceitos de nível mais elevado. Piaget defende assim o conceito de "epistemologia genética", espécie de cronograma estabelecido pela natureza para o desenvolvimento da capacidade infantil de pensar. Esse cronograma desenrola-se em quatro estágios: no primeiro, chamado período sensório-motor, que vai do nascimento até um ano e meio ou dois anos, a criança começa a tomar consciência de seu próprio corpo, de seus reflexos físicos inatos e da possibilidade de manipulá-los para fazer coisas interessantes ou ter prazer. Começa também a tomar consciência de si mesma como uma entidade separada e das coisas a sua volta como entidades separadas também. O segundo estágio é o do pensamento pré-operacional e vai mais ou menos dos dois aos sete anos. A criança consegue manipular simbolicamente seu universo, por meio de representações internas, ou pensamentos, sobre o mundo exterior. Durante essa fase, ela aprende a representar os objetos por meio de palavras e a manipular mentalmente as palavras, tal como anteriormente manipulara os objetos físicos.

No terceiro estágio, chamado de operacional concreto, dos sete aos 11 ou 12 anos, a criança começa a utilizar algumas operações lógicas, como a reversibilidade, a classificação dos objetos por suas semelhanças e diferenças, e também a compreender os conceitos de número e de tempo. Introduz-se, assim, a lógica no processo de pensamento da criança. O quarto estágio é o período das operações formais, que começa aos 12 anos e se estende pela vida adulta. Caracteriza-se pela capacidade de pensar ordenadamente e pelo domínio do pensamento lógico, o que enseja uma espécie de experimentação mental mais flexível. Nesse estágio final, a criança aprende a manipular idéias abstratas, a formular hipóteses e a entender as implicações de sua maneira de pensar e da maneira de pensar dos outros.

Desvios da normalidade. Tomando-se como referência a inteligência caracterizada como normal, registram-se desvios tanto ascendentes quanto descendentes. Estes caracterizam-se como retardamentos, e se manifestam em relação à maturação, à aprendizagem ou à adaptação social. A determinação dos retardamentos é feita por meio da aplicação dos testes de inteligência. Assim, um indivíduo com resultado equivalente a 70 ou 85 de QI é considerado ligeiramente retardado. Na faixa de cinqüenta a setenta de QI, considera-se retardamento em grau moderado. Os índices graves são os abaixo de cinqüenta, caso em que o indivíduo necessita de custódia. Os retardamentos podem provir de fatores anteriores, concomitantes ou posteriores ao nascimento. Um dos casos mais comuns é o do mongolismo, ou síndrome de Down, cujos portadores apresentam 47 cromossomos em suas células, ao invés do número normal de 46 cromossomos. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.