Radiologia

Poder enxergar através de um corpo opaco, inclusive o humano, e penetrar além da barreira física formada por sua superfície externa era impensável até a descoberta dos raios X, em fins do século XIX. Poucos suspeitaram, então, que se iniciava nova era na história das explorações médicas. Radiologia, na medicina, é o ramo que cuida da aplicação, no ser vivo, de certas radiações do espectro eletromagnético, para fins de diagnóstico ou de tratamento de doenças. Originalmente, a radiologia médica utilizava apenas os raios X para fins de diagnóstico; no campo terapêutico se aplicava, além dos raios X, também os raios gama e outras formas de radiação ionizantes.

Nas últimas décadas do século XX, porém, a radiologia adquiriu novos instrumentos e passou a abranger o diagnóstico mediante a utilização não apenas de isótopos radioativos, mas também de radiação não-ionizante, como ondas de ultra-som e ressonância magnética nuclear. Igualmente, houve uma expansão do campo da radioterapia no tratamento de doenças como o câncer, em que também se usam agentes como hormônios e drogas quimioterápicas.

or meio das técnicas da radiologia, o médico pode observar e analisar a estrutura interna do corpo humano sem necessidade de uma incisão cirúrgica. Os exames radiológicos permitem constatar a existência de fraturas ósseas, obstruções de vasos e dutos (com o auxílio de métodos de injeção de substâncias radiopacas, ou seja, que absorvem raios X), alterações de forma e posição de órgãos etc. A utilização dos raios X com finalidade terapêutica baseia-se em sua ação destruidora e modificadora sobre os tecidos, especialmente nos casos de câncer, pois essa radiação destrói mais facilmente as células malignas que os tecidos sadios. Evolução histórica. Os raios X foram descobertos em 1895 por um professor de física alemão, Wilhelm Conrad Röntgen. Durante as primeiras décadas que se seguiram a seu descobrimento, os raios X foram muito utilizados para diagnóstico e controle do tratamento de fraturas e para a localização, no organismo humano, de corpos estranhos como balas, durante a primeira guerra mundial.

Também se registraram tentativas de produzir filmes de objetos em movimento e, desse modo, observar também a dinâmica das funções fisiológicas do corpo, e não apenas partes anatômicas estáticas. Dificuldades técnicas e os malefícios que uma alta dose de radiação trazem à saúde do paciente impediram o progresso dessa técnica. Na década de 1950, porém, graças à invenção de um método de intensificação da imagem, foi possível superar as dificuldades e incluir a cinerradiografia entre os procedimentos rotineiros de diagnóstico. Ainda no início do século XX os médicos que utilizavam os raios X para fins de diagnóstico tiveram a idéia de aprimorar o processo mediante a introdução de agentes artificiais de contraste, capazes de absorver os raios X e com isso produzir uma imagem radiográfica mais clara. Um exemplo é a pasta de sulfato de bário, substância inerte e não-tóxica quando introduzida pela boca, que geralmente se prescreve antes de uma radiografia intestinal.

O método de introdução de contrastes tornou possível examinar várias partes do trato digestivo. Posteriormente se produziram várias outras substâncias de contraste para serem injetadas nos vasos sangüíneos e, desse modo, detectar problemas de circulação ou do trato urinário, após a seleção e excreção do elemento de contraste pelos rins. Paralelamente aos progressos no campo específico da radiologia, também se aprimoraram as técnicas fotográficas. Assim, as primeiras chapas fotográficas foram substituídas por filmes de maior sensibilidade, e as emulsões evoluíram ao ponto de permitir a revelação dos filmes com grande rapidez e boa definição. Também as técnicas de revelação de filmes progrediram e, no fim do século XX, máquinas automáticas eram capazes de realizar todo o processo de revelação em apenas noventa segundos.

Radiodiagnóstico. A medicina utiliza raios X na investigação da estrutura e do funcionamento do corpo humano, num processo denominado radiodiagnóstico. Para isso, usa-se o aparelho de raios X: um tubo de Röntgen, o qual emite raios que atravessam o corpo a ser radiografado. A radiologia médica para fins de diagnóstico interessa-se pelas seguintes propriedades dos raios X: (1) penetração, ou capacidade de atravessar a matéria; (2) absorção, ou redução de intensidade que os raios X sofrem ao penetrarem um corpo; (3) propagação retilínea, que ocorre a partir do foco de emissão; (4) excitação da fluorescência, que ocorre em certas substâncias, tais como o tungstato de cálcio, o sulfeto de zinco e cádmio etc.; (5) ação enegrecedora sobre as emulsões fotográficas; (6) dispersão. Nessa última propriedade, a difusão dos raios, ou irradiação secundária, é diretamente proporcional à espessura do corpo e à dureza dos raios empregados.

Para reduzir ao mínimo os efeitos indesejáveis da dispersão, existem acessórios, cones e grades, denominados antidifusores. Ao atravessar o corpo, a radiação é amortecida por absorção (na qual parte da energia da radiação se transforma em outra forma de energia, como o calor) e dispersão (na qual a trajetória retilínea dos raios se altera e perde intensidade numa dada direção). Esses fenômenos dependem das interações dos raios X com os átomos constituintes do corpo, e não de sua constituição molecular, como acontece com a luz visível. Os principais fatores que determinam a absorção e a dispersão são: (1) os tipos de átomos que compõem a matéria irradiada; (2) a densidade e a espessura do material; (3) o comprimento de onda da radiação empregada. O poder de absorção dos raios X aumenta em relação direta com o número atômico, a densidade e a grossura do material a ser radiografado, e também com o comprimento de onda da radiação.

Dentre todos os constituintes do corpo humano, o cálcio é um dos que têm maior capacidade de absorção de raios X, como conseqüência tanto de seu elevado número atômico como de sua abundância no tecido ósseo. A densidade de diferentes partes do corpo humano, quando comparadas a zonas de composição química aproximada, é de pequena importância no poder de absorção de raios X, principalmente como fator determinante de contraste radiológico. Como única exceção existe a grande diferença de poder de absorção entre os tecidos moles e as zonas pneumáticas, onde a baixa densidade do ar ou de outros gases permite um nítido contraste radiológico. O emprego de raios moles (raios X de menor freqüência e, portanto, de menor penetração) permite melhor visualização de contrastes, pois são muito mais facilmente absorvidos do que os duros, mais penetrantes.

Imagem radioscópica. Obtém-se a imagem radioscópica pela projeção dos raios X que atravessam o corpo a ser estudado sobre uma placa fluorescente, ou écran (tela), que emite luz visível ao ser excitada pela radiação invisível dos raios X. Nesse fenômeno, denominado fluorescência, se baseia o funcionamento dos aparelhos de radioscopia, que permitem a observação imediata da imagem radiológica, assim como de suas variações temporais. Quanto maior é a intensidade de radiação X que atinge a tela, maior a intensidade luminosa deste.

Toda imagem radiológica (sombra e contorno), resulta de um certo ritmo da absorção da radiação pelos tecidos. Se a absorção é igual ou homogênea, o feixe emergente tem a mesma intensidade em qualquer ponto do écran fluoroscópico. Quando o ritmo da absorção é uniforme, a sombra também se apresenta uniforme, ou seja, não se forma imagem. Ao contrário, se a região do organismo não tem uma densidade uniforme, absorve mais ou menos raios, o que leva à produção de uma escala de tonalidade na tela fluoroscópica. Imagem radiográfica. A radiografia, ou imagem radiográfica, se obtém mediante a projeção da radiação que atravessou o corpo em estudo sobre um filme fotográfico, que depois é revelado. Essa imagem é estática e representa um dado instante da evolução temporal do objeto em estudo. A imagem radiográfica apresenta maiores detalhes que a imagem radioscópica, e oferece a vantagem de poder ser analisada a qualquer momento e arquivada para estudos posteriores. A imagem mostra zonas escuras e claras, que representam as áreas mais ou menos irradiadas, respectivamente. Na chapa radiográfica, portanto, zonas radiopacas do objeto radiografado aparecem como áreas claras, enquanto as zonas que absorvem pouco os raios X aparecem na chapa como áreas escuras.

Abreugrafia. Denomina-se abreugrafia um método criado em 1936 pelo radiologista brasileiro Manuel de Abreu para obter radiografias do tórax pela fotografia da tela radioscópica. Inicialmente, foi denominado por Abreu roentgenfotografia ou fluorografia, nomes que caracterizam os elementos fundamentais do método, respectivamente: a combinação de fotografia e raios de Röntgen ou raios X, e a impressão da imagem obtida na placa fluorescente da radioscopia.

Métodos de exame. A radioscopia é um dos métodos de exame mais usados, no qual se coloca o corpo a estudar entre a fonte de emissão e uma tela fluorescente, para ser observado à vista desarmada em ambiente escurecido. Emprega-se a radioscopia principalmente no estudo dinâmico dos órgãos móveis e pulsáteis (coração, vasos, diafragma, tubo digestivo), mas também quando se precisa escolher a melhor posição para uma radiografia.

A radiografia é o registro da imagem radiológica na película fotográfica. As radiografias podem ser simples ou com contraste radiológico. As mais empregadas na prática radiológica são as simples, que são obtidas de qualquer parte do organismo sem o uso de meios artificiais de contraste. Utiliza-se o segundo tipo de radiografia para partes do organismo sem condições próprias de contraste para torná-las radiologicamente individualizadas. Nesse caso, a substância de contraste deve preencher as cavidades dos órgãos, ou envolver sua superfície. A imagem proporciona maior nitidez e detalhe do que a obtida pela radioscopia. Outro meio de radiodiagnóstico é a tomografia axial computadorizada, criada na década de 1970 pelo britânico Godfrey Hounsfield e o americano Allan Cormack.

Esse método mede, a partir de vários ângulos, a atenuação dos raios X que penetram no corpo. De posse dessas medições, um computador reconstrói a imagem do órgão em estudo numa série de seções ou planos. A técnica permite que órgãos de tecidos moles como o fígado e o rim sejam claramente diferenciados nas imagens reconstruídas pelo computador. A tomografia fornece uma quantidade imensamente maior de informações úteis ao diagnóstico do que uma simples radiografia. As chamadas radiografias estereoscópicas consistem em duas radiografias de um mesmo objeto, tomadas sucessivamente e com um pequeno deslocamento lateral do tubo de raios X. Examinadas no estereoscópio de Wheatstone, proporcionam o efeito de uma visão tridimensional. Esse método é particularmente útil nos estudos do crânio, do tórax e do abdome.

Radioterapia. A utilização dos raios X com fins terapêuticos aproveita sua dupla ação, destruidora e modificadora nos tecidos. A radioterapia consiste no tratamento de diferentes afecções pela aplicação de radiações ionizantes, em particular os raios X. As primeiras pesquisas no setor revelaram que grandes doses de radiação provocavam, depois de algum tempo, manchas vermelhas na pele que poderiam resultar em queimadura e ulceração. Mesmo pequenas doses repetidas poderiam produzir sérias lesões. Deduziu-se, então, que um fenômeno capaz de produzir tais danos em tecidos normais poderia ser dirigido contra tecidos anormais e indesejáveis, como o câncer. Das pesquisas sobre a natureza fundamental da ação biológica da radiação -- que prosseguem até os dias atuais -- emergiu um novo tipo de cientista, o radiobiologista. Ao mesmo tempo em que os raios X começavam a ser aplicados na medicina, o elemento rádio foi descoberto e se estabeleceu também a importância do fator tempo como modificador da reação do tecido à radiação. Assim surgiu a ciência da radioterapia, em seu início baseada inteiramente num enfoque empírico. Logo constatou-se que radiações ionizantes têm também o efeito de aliviar a dor. Essa forma de tratamento foi usada, em seu período de desenvolvimento, principalmente no tratamento de formas dolorosas de artrite, herpes-zoster e outras doenças.

À medida que aumentou o conhecimento sobre os possíveis efeitos nocivos da radiação, contudo, muitas dessas aplicações foram descartadas, exceto em circunstâncias especiais e sob estrita supervisão. Nas últimas décadas do século XX, a radioterapia passou a ser utilizada quase exclusivamente no tratamento de casos de câncer. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.